In the Zone: Análise táctica à final da Champions League
segunda-feira, 23 de maio de 2022
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O painel de Observadores Técnicos da UEFA faz uma análise prévia detalhada à final da UEFA Champions League, entre Liverpool e Real Madrid.
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Quando o Liverpool venceu o Real Madrid na final da Taça dos Campeões Europeus de 1981, em Paris, foi graças a um golo do lateral-esquerdo Alan Kennedy.
Quatro décadas depois, o local é diferente - o Stade de France em vez do Parc des Princes - mas os laterais do Liverpool podem voltar a ser fundamentais.
O papel ofensivo do lateral no futebol actual está bem documentado e não há melhor exemplo a nível europeu do que Trent Alexander-Arnold e Andrew Robertson, dupla fundamental para o lado ofensivo dos "reds".
Uma observação das estatísticas oferece evidências claras do seu contributo na campanha do Liverpool na UEFA Champions League. Além de quatro assistências, Alexander-Arnold completou mais cruzamentos (23) do que qualquer outro jogador na edição 2021/22, enquanto Robertson (duas assistências) ocupa o quarto lugar nessa categoria, com 16. Em relação a passes importantes, Robertson tem 19 (o melhor total no Liverpool, em conjunto com Mohamed Salah) e Alexander-Arnold 16.
O relatório técnico da UEFA Champions League de 2019/20 destacou a dupla dos "reds" pelas suas qualidades na criação de jogo, e dois anos depois Alexander-Arnold é o jogador do Liverpool com mais toques na bola – 853 em oito jogos, apenas menos 15 do que Luka Modrić em 12 jogos pelo Real Madrid.
Como o mapa de calor dos toques de Alexander-Arnold sublinha, a sua presença no meio-campo adversário é cada vez maior. David James, antigo guarda-redes da equipa de Anfield e Observador Técnico da UEFA na vitória sobre o Villarreal, na primeira mão das meias-finais, observou que Alexander-Arnold teve "um papel relativamente livre no lado direito", assumindo "posições agressivas ao atacar" e inclusive aparecendo em zonas próprias de um Nº10.
Perspectivando a noite de sábado, isso levanta uma questão intrigante sobre se o Real Madrid pode explorar o espaço nas costas dos laterais, principalmente de Alexander-Arnold, já que é na esquerda que Karim Benzema e Vinícius Júnior têm combinado de forma tão eficaz esta temporada.
Um excelente exemplo disso foi o primeiro golo na vitória do Real Madrid em casa do Chelsea, nos quartos-de-final, quando Benzema recuou até ao meio-campo para combinar com Toni Kroos e depois com Vinícius. Com este último, deixou-o com tempo e espaço na esquerda, por onde progrediu, ao mesmo tempo que rumou à área para receber o cruzamento do brasileiro e finalizar com um cabeceamento imperial. Foi uma das quatro assistências do brasileiro para Benzema, actual melhor marcador do torneio, com 15 golos.
O mapa de calor dos toques de Benzema sublinha que ele é muito mais do que um goleador. É um jogador que também testará a força defensiva do Liverpool, graças ao seu hábito de deambular pelos flancos, para criar lances de 2-para-1, antes de regressar à área para fazer uso das suas valências de finalizador.
Ameaça do Liverpool em lances de bola parada
Após a vitória do Liverpool sobre o Chelsea na final da Taça de Inglaterra – decidida nos penaltis, tal como na Taça da Liga – o treinador Jürgen Klopp dedicou esse triunfo à empresa alemã de neurociência que, durante a pré-temporada, trabalhou com os seus jogadores em lances de bola parada.
Esse trabalho deu frutos em duas finais de taças nacionais e agora a questão que se levante é se o Liverpool conseguirá fazer o mesmo noutra final. É a equipa com mais golos em lances de bola parada na Champions League 2021/22 – oito – e esse total inclui quatro na sequência de cantos. Os dois golos frente ao Inter na primeira mão dos oitavos-de-final foram assim. Na ronda seguinte, Ibrahima Konaté mostrou o quão perigoso consegue ser no jogo aéreo com dois tentos frente ao Benfica após cantos.
Reflectindo sobre essa capacidade, Frans Hoek, observador do seu jogo frente ao Inter, disse: "Quando se trata do Liverpool, a primeira coisa para a qual olho é os cobradores de lances de bola parada – e depois trata-se de combinar o movimento certo no espaço certo. Dá para ver que fazem isso e possuem vários jogadores fortes a finalizarem de cabeça. E o mesmo acontece na disputa da segunda, terceira ou quarta bolas, onde o Liverpool coloca pressão imediata".
Este último ponto é revelador. Em 2018/19, o relatório técnico da UEFA Champions League destacou os cinco remates à baliza de Salah em lances de bola parada aliviados para a entrada da grande área. Esta época, Roberto Firmino, Thiago Alcántara e o próprio Salah marcaram golos na "segunda fase" de lances de bola parada.
Estatística em detalhe
10: Dez jogadores diferentes do Liverpool marcaram na caminhada da equipa até à final, contra seis do Real Madrid.
Para que conste, a forma como o Real Madrid defende lances de bola parada nesta edição do torneio tem sido competente, com apenas um golo sofrido na sequência de cantos – Antonio Rüdiger, do Chelsea. No entanto, para este duelo, vale a pena estar muito bem preparado.
Começo vertiginoso
Apesar das emoções tardias que foram uma imagem de marca do Real Madrid na sua caminhada rumo à final, os "merengues" também procuraram causar um impacto inicial forte, na tentativa de surpreender o adversário. Em casa, frente ao Paris, Luka Modrić, Toni Kroos e Marco Asensio produziram uma boa combinação no meio-campo, que terminou com Asensio quase a isolar Vinícius Jr com um passe em profundidade.
Os comandados de Carlo Ancelotti estiveram ainda mais perto de marcar no recomeço da segunda mão frente ao Man. City. Após uma troca de passes no círculo central, Kroos fez um passe em diagonal para as costas da defesa do City, com Dani Carvajal a cruzar rasteiro para Vinícius, que poderia ter marcado ao segundo poste.
Apesar de não ter sido recompensado nessas duas ocasiões, o Real Madrid fez mesmo um golo-relâmpago, na segunda mão dos oitavos-de-final, frente ao Paris, demorando apenas dez segundos após os parisienses colocarem a bola em jogo. Três jogadores "merengues" perseguiram rapidamente a bola após o resultado ter ficado em 2-1: ganharam a sua posse e, num piscar de olhos, Benzema completou o seu "hat-trick".
E na eventualidade de alguma das equipas marcar cedo na final – o Liverpool marcou logo aos 107 segundos na sua presença anterior na final – é preciso não esquecer a capacidade que qualquer uma delas tem para responder às adversidades. Restam poucas dúvidas de que estamos na presença das duas equipas europeias com mentalidade mais forte neste momento. Klopp apelidou a sua equipa de "colossos da mentalidade" após a vitória por 3-2 em casa do Villarreal nas meias-finais.
Quanto ao Real Madrid, as suas recuperações frente a Paris, Chelsea e Manchester City, transformando eliminações quase certas em apuramentos, explicam a razão pela qual Roberto Martínez, observador da UEFA, apontou o factor emocional como crucial para os "merengues" terem chegado até à final. "É a cultura vencedora que aquela camisola confere – só a vitória interessa", disse. O facto de ambas as equipas terem tanta convicção deve tornar a final de sábado ainda mais emocionante.