Quando a Grécia surpreendeu o Mundo
sexta-feira, 3 julho 2020
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No aniversário de uma das maiores surpresas do futebol internacional, três dos improváveis campeões da Grécia reflectem sobre o triunfo no Verão de 2004.
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Já passaram 16 anos desde que a Grécia protagonizou uma das maiores surpresas da história do futebol, quando os seus heróis improváveis superaram as expectativas e venceram de forma sensacional o UEFA EURO 2004.
Para marcar o aniversário, recordamos três estrelas daquele Verão que nos guiam numa viagem pela memória: o capitão Giorgos Karagounis, o guarda-redes Antonis Nikopolidis e o avançado Angelos Charisteas.
Fase de grupos
Grécia 2-1 Portugal
(Karagounis 7, Basinas 51g.p; Ronaldo 90+3)
12 de Junho, Porto
Karagounis: O nosso principal objectivo no torneio era aproveitar a participação. Foi a primeira fase final para todos nós: treinador e jogadores. Tínhamos conquistado o grupo de qualificação à frente da Espanha, por isso merecíamos o nosso lugar e agora queríamos aproveitá-lo. Foi uma festa! No entanto, não éramos completos estranhos: quando chegámos ao EURO, estávamos há 15 jogos invictos.
Nikopolidis: Quando fomos a Portugal, Giorgos, lembro-me que dissemos: "Vamos conquistar a primeira vitória da Grécia num grande torneio" e vamo-nos divertir. A Grécia participou no EURO 1980 e no Campeonato do Mundo de 1994, nos Estados Unidos, e não venceu nenhum jogo.
Karagounis: O golo… Portugal perdeu a bola perto da sua área. Lembro de pressioná-los e colocar a bola numa zona onde sempre penso em marcar. Eu tive um problema com o meu pé direito - cheguei a pensar que nem chegaria à final - e não tive a oportunidade de rematar durante duas semanas até aquele momento. Primeiro tiro, primeiro golo; estávamos no bom caminho.
Nikopolidis: Esse golo, no início da partida, afastou a nossa ansiedade e aumentou a confiança, tanto como equipa como a nível individual. Foi a chave.
Grécia 1-1 Espanha
(Charisteas 66, Morientes 28)
16 de Junho, Porto
Karagounis: Este foi o jogo mais difícil de toda a fase final, principalmente no segundo tempo. Às vezes é preciso sorte e nós tivemo-la do nosso lado naquele dia. Aguentámos um ponto muito importante e estávamos praticamente apurados.
Grécia 1-2 Rússia
(Vryzas 43; Kirichenko 2, Bulykin 17)
20 de Junho, Faro-Loulé
Karagounis: A Rússia não tinha nada a perder, eles já estavam eliminados; de repente a pressão estava sobre nós, especialmente quando eles marcaram. Duas vezes.
Fase a eliminar
Quartos-de-final: Grécia 1-0 França
(Charisteas 65)
25 de Junho, Lisboa
Charisteas: Otto Rehhagel sabia como nos retirar a ansiedade antes dos jogos importantes e como transformar essa ansiedade em confiança uns nos outros. Acho que esse é o talento dele, e é por isso que ele é um treinador tão bem-sucedido.
Meias-finais: Grécia 1–0 República Checa
(Dellas 105+1)
1 de Julho, Lisboa
Nikopolidis: Quando o jogo começou pensei - e porque enfrentámos grandes equipas e defendemos muito bem - e disse: "Sabes de uma coisa? Podemos não sofrer golos. Mas eu também sabia que seria muito difícil marcarmos. A nossa principal arma eram as bolas paradas e eles não sofriam golos dessa forma. Como íamos marcar?”
Nikopolidis: No prolongamento os checos perderam o seu estilo dinâmico, a sua crença diminuiu e ficaram nervosos. Não tínhamos nada a perder. Jogámos com intensidade e os suplentes Stelios [Giannakopoulos] e Vasilis [Tsiartas] deram vida ao nosso ataque. Então veio o canto de Vasilis. Traianos [Dellas] marcou e nós passamos.
Final: Grécia 1-0 Portugal
(Charisteas 57)
4 de Julho, Lisboa
Nikopolidis: Os jogadores de Portugal estavam sob mais pressão. Podíamos ver a ansiedade nos seus rostos, eles estavam ofegantes. Eu vi [Luís] Figo a dada altura a ir à linha lateral para trocar de botas, um sinal de desconforto. Tentámos tirar o máximo partido disso.
Charisteas: Alguns sonhos guardamos para nós e nunca se fala sobre eles. O meu sonho, quando comecei a jogar futebol, foi marcar um golo na final do EURO, porque o primeiro jogo que assisti na televisão foi a final de 1988, com Van Basten e companhia. E decorridos 57 minutos percebi que podia materializar esse sonho.
Nikopolidis: Portugal perdeu toda a ansiedade depois de marcamos. Eles começaram a jogar de maneira diferente, pressionaram-nos muito, nos últimos 20 minutos. Mas fomos treinados para defender assim e estávamos prontos para resistir. Nós resistimos, lidámos com isso com bastante unidade.
Charisteas: Quando marcámos, tivemos a sensação de que não havia hipótese de perder. Fizemos sacrifícios, independentemente das nossas posições no campo. Às vezes tinha que marcar Cristiano Ronaldo e depois contra-atacar. É preciso fazer sacrifícios para que um grande milagre ocorra no futebol.
Regresso heróico a casa
Charisteas: No balneário, após o jogo, ficámos somente com a roupa interior e o champanhe não parou de escorrer. A dada altura disseram-nos que o nosso primeiro ministro [Konstantinos] Karamanlis e a sua esposa estavam lá fora. Metade da nossa equipa estava nua; a outra metade estava a esforçar-se para vestir algo.
Karagounis: Tudo acontece depois de uma vitória como essa. Todos nós estávamos nas nuvens e os nossos sentimentos estavam fora de controlo.
Nikopolidis: Pessoas na Austrália, no Canadá, onde quer que houvesse gregos - mesmo no Polo Norte! - levantaram a bandeira, comemoraram e ficaram orgulhosos por nós, deixando de lado as afiliações clubísticas. Por um mês, unimos a nação.
Charisteas: Mesmo agora, 16 anos depois, todos os dias sou abordado na rua por dez a 20 pessoas na rua a falar sobre o EURO. Sento-me para tomar um café e há sempre alguém por perto a dizer: "Angelos, lembro que no dia 4 de Julho…"