Futebolista mineiro: entrevista com Raymond Kopa
sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011
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Para o extraordinário internacional francês Raymond Kopa, o futebol foi uma forma de deixar as minas de carvão do Norte de França, como explicou a William Gaillard, da UEFA.
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Raymond Kopa vai receber o Prémio Presidente da UEFA das mãos de Michel Platini no próximo sábado, no seu antigo clube, o Stade de Reims. Antes dessa prestigiante ocasião, em honra do antigo avançado da França e do Real Madrid CF, o UEFA.com foi aos arquivos recuperar uma entrevista com Kopa, conduzida por William Gaillard, da UEFA, e publicada na revista Champions em Junho/Julho de 2005.
A exploração das minas de carvão moldou a paisagem da parte Leste de Pas-de-Calais. Quando Raymond Kopa nasceu, em Noeux-les-Mines, em Outubro de 1931, o horizonte estava marcado em todas as direcções por um quilómetro de cones de resíduos cinzento-escuros e torres negras das minas, coroadas pelas suas características rodas elevatórias. Hoje, as minas de carvão estão encerradas e os cones cobertos por uma fina camada de relva, dando-lhe a estranha forma de colinas artificiais.
A família de Kopa é originária da Polónia, tal como as famílias de dezenas de milhares de mineiros de carvão do Norte de França. O seu verdadeiro apelido, Kopaszewski, foi abreviado para Kopa na escola primária. Os seus avós chegaram oriundos de Krakow, através da Alemanha, onde os seus pais nasceram e de onde emigraram para França após a Primeira Guerra Mundial. O polaco era falado em casa dos Kopaszewski. Hoje, Kopa já não é fluente na língua eslava e admite que uma viagem recente à Polónia serviu para se lembrar o quão francês se sente.
O jovem Kopa começou a trabalhar nas minas com 14 anos, seguindo as pisadas do seu avô, pai e irmão. Como mineiro, o seu primeiro trabalho foi empurrar carros de carvão pelos estreitos caminhos nas galerias da mina. E recebeu a sua primeira licença para jogar futebol aos dez anos, pelo Noeux-les-Mines FC. O Norte de França e a comunidade polaca eram a principal fonte de talento futebolístico no país. Desde o início, mostrou-se determinado em fazer tudo para sair da mina, e o futebol era uma opção.
"Jogava sempre numa categoria acima da minha. Como Sub-17, já jogava na equipa do Noeux-les-Mines na terceira divisão de França", revela Kopa. "O engenheiro chefe da mina onde trabalhava era também o presidente do clube, mas não fez absolutamente nada para ajudar a minha carreira como futebolista."
A família de Kopa pagou um pesado preço por trabalhar nas minas. O seu pai morreu aos 56 anos, vítima de silicose, o seu irmão aos 64, do mesmo problema, e Raymond perdeu um dedo num acidente que poderia ter sido fatal.
Mas foi ainda um relutante Kopa que decidiu participar nos treinos de captação para jovens futebolistas franceses em 1949. O jovem atleta venceu a competição (região Norte) e classificou-se para a final nacional, terminando em segundo. "Aquilo não tinha grande significado para mim na altura. Parecia-me muito artificial. Tínhamos de marcar cantos, livres, e fazer uma corrida cronometrada tipo 'slalom'."
"Pensei que um dos grandes clubes do Norte me ofereceria um contrato: Lille [OSC], [RC] Lens, Valenciennes [FC] ou Roubaix [todos primodivisionários na altura]. Foi uma grande desilusão quando um clube da segunda divisão, do Oeste francês, o [SCO] Angers, foi o único a fazer-me uma oferta", recorda Kopa. O Angers não se revelou, no entanto, uma perda de tempo completa, uma vez que foi lá que conheceu aquela que seria a futura esposa, Christiane, irmã de um dos colegas de equipa do Angers, e ainda passa ali o Inverno.
Após dois anos na segunda divisão, o Stade de Reims Champagne, detentor da Taça de França, contratou Kopa, na altura pela quantia de 1,8 milhões de francos. Relativamente baixo, e com pernas muito fortes, as suas fintas já espantavam as multidões. "Adorava fintar", conta o ex-jogador. "O drible era o meu ponto forte, era nisso que eu fazia a diferença. A imprensa e o público, de início, julgavam que eu fintava demasiado. Mas o que é que eu podia fazer? Era a minha arma principal, era o meu estilo de jogo."
A 5 de Outubro de 1952, um ano após a transferência para o Reims, alcançou a primeira internacionalização pela França frente à República Federal da Alemanha. A sua carreira na selecção durou dez anos: participou em dois Campeonatos do Mundo, alcançou as 45 internacionalizações e apontou 18 golos. Entretanto, acumulou sucesso atrás de sucesso a nível interno.
"O Reims tinha uma grande equipa, jogávamos um futebol de ataque maravilhoso, o chamado 'futebol champanhe', e a nossa popularidade era enorme em França", lembra Kopa. "Em 1953 derrotámos o AC Milan por 3-0 na final da Taça Latina [a prova que antecedeu a Taça dos Clubes Campeões Europeus]. O Milan fez-me uma proposta, mas preferi jogar pelo Real Madrid [CF] porque era o maior clube do Mundo."
No espaço de um ano, Kopa tinha assinado um dos mais lucrativos contratos dos anos 50, que o ligava ao Real Madrid por um período de três anos. "Foram três anos fantásticos. Vencemos três Taças dos Campeões, fomos duas vezes campeões de Espanha e só perdemos um jogo em casa nesse período."