Os custos da mudança
segunda-feira, 19 de dezembro de 2005
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Na sequência do trabalho iniciado na semana passada, o uefa.com vai continuar a analisar como, há dez anos, a sentença da "lei" Bosman afectou os clubes europeus.
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Quando, a 15 de Dezembro de 1995, o Tribunal Europeu de Justiça decidiu em favor de Jean-Marc Bosman, o AFC Ajax era o campeão europeu e, graças a uma brilhante geração de jogadores, preparava-se para disputar a segunda final consecutiva da UEFA Champions League. Cinco meses depois o conjunto de Amesterdão perdeu a final para a Juventus FC, mas a decisão do tribunal acabou por ser bem mais grave para os holandeses do que a derrota em Roma.
"Difícil estar preparado"
"Era difícil estar preparado, pois ninguém podia adivinhar as consequências daquela decisão", confessou Louis Van Gaal, o então treinador do Ajax. "Tentámos imediatamente assinar contratos de longa duração com os jogadores, mas vários elementos recusaram e tornaram-se jogadores livres. O AC Milan levou Patrick Kluivert, Winston Bogarde e Michael Reiziger de graça e vendeu-os mais tarde por muito dinheiro". Edgar Davids também reforçou o Milan a custo zero. Um ano depois de o Ajax ganhar a UEFA Champions League tinham levado a espinha dorsal da equipa. O futebol europeu estava a acordar para o Mundo pós-"lei" Bosman.
Equilíbrio de poder
O equilíbrio de poder tinha-se alterado radicalmente, dos clubes para os jogadores. "Tudo mudou muito rapidamente", afirmou Nils Skutle, que era o presidente do Rosenborg BK em 1995, actualmente director-geral do clube. "Não podíamos prever o que ia acontecer. Antes da "lei" Bosman, se o contrato de um jogador chegasse ao final, nós continuávamos a ter direitos numa eventual transferência. Depois de a decisão ter sido tomada, os jogadores passaram a poder deixar os clubes sem qualquer contrapartida. Tivemos de garantir a continuidade dos jogadores e isso provocou um enorme aumento nas despesas do nosso clube. Esta foi a maior consequência da 'lei' Bosman".
Leis de trabalho flexíveis
O Rosenborg manteve a aposta na contratação de jogadores do seu campeonato, uma política que valeu a conquista de nove títulos consecutivos de campeão norueguês. Mas, no resto da Europa, os clubes estavam ansiosos em aproveitar as novas leis de trabalho flexíveis. Nas competições europeias, a proporção de jogadores que podiam representar um clube e a selecção do mesmo país caiu de 83 por cento na época de 1995/96 para 55 por cento em 2002/2003. A 26 de Dezembro de 1999, o Chelsea FC tornou-se na primeira equipa a apresentar, num jogo da Premier League, um "onze" sem qualquer britânico.
Alteração radical
Jean-Luc Lamarche é um dos maiores conhecedores do mercado em França. Foi ele que trouxe Ronaldinho Gaúcho para a Europa em 2000, quando era director-geral do Paris Saint-Germain FC, tendo em 1995 assumido o mesmo cargo no RC Lens. "Tivemos logo a noção da grande importância da 'lei' Bosman", declarou. "As antigas leis não estavam adaptadas à realidade e nós sabíamos que tudo se iria alterar radicalmente". Que impacto provocou? "O futebol profissional tornou-se mais justo, mas também mais implacável. É um reflexo do mercado e da sociedade".
"Os ricos ficam mais ricos"
Isso pode ser visto um pouco por toda a Europa onde, nos últimos dez anos, a riqueza e o poder concentraram-se num número reduzido de clubes. "Se tiverem uma gestão eficaz, os grandes clubes vão ficar ainda mais ricos", analisou Skutle. "Vai continuar a ser assim. Meia dúzia de emblemas continuarão a dominar em toda a Europa, não penso que existirão grandes alterações. A "lei" Bosman tornou mais fácil continuar no topo. Os ricos ficam mais ricos porque podem atrair os melhores jogadores".
"Curva ascendente"
O mercado pode ser implacável, mas, de acordo com John Goddard, professor de economia na Universidade de Gales, ele foi a chave que permitiu aos clubes ingleses sobreviveram na transição para um Mundo pós-"lei" Bosman. "Nos últimos dez anos, o futebol tem estado numa curva ascendente em termos de popularidade", declarou. "Essa adaptação seria mais difícil se o número de espectadores caísse e se os rendimentos das transmissões televisivas não fossem tão elevados. Foi positivo para todos os clubes que esta alteração no mercado laboral tenha ocorrido durante uma fase de crescimento e não durante um período de declínio".
Razões de preocupação
Os clubes europeus ainda sofrem as consequências da "lei" Bosman. O poder dos agentes dos jogadores continua a causar preocupação, assim como a ideia que os principais clubes não estão a investir o suficiente na formação de jogadores. A UEFA está a tentar resolver esta última questão com uma iniciativa sobre a formação local de jogadores.
Sistema estável
"Haverá sempre uma luta entre a solidariedade e a tentativa de os clubes ricos ficarem ainda mais ricos", avaliou Skutle. "No Rosenborg lutamos contra ambos os lados, com os clubes ricos da Europa e também com os pequenos clubes da Noruega. É preciso encontrar o equilíbrio e temos lutado por isso. Para nós, o mais importante é ter um sistema estável, para que todos conheçam as regras do mercado. Em meados da década de 90, a mudança radical foi um grande problema".