Roberto Carlos recorda vitórias na Champions League
sexta-feira, 15 de maio de 2020
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Três vezes vencedor da UEFA Champions League, Roberto Carlos recorda os triunfos e o tempo passado no Real Madrid com emoção e humor à mistura.
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Vencedor da Taça dos Clubes Campeões Europeus em 1998, 2000 e 2002, Roberto Carlos - o lateral brasileiro do remate temível, actualmente com 47 anos - recordou em exclusivo ao UEFA.com esses triunfos, falou da responsabilidade de representar o Real Madrid e de antigos colegas emblemáticos, entre outros assuntos.
Estar à altura do prestígio do clube
Quando se representa um clube tão prestigiado como o Real Madrid na UEFA Champions League, então aí é que nos apercebemos do calibre e importância da competição. [Alfredo] Di Stéfano, [Ferenc] Puskás e [Francisco] Gento, entre outros, ganharam-na e foram eles que criaram esse prestígio, fruto de cinco títulos consecutivos.
Assim, todos os jogadores que assinam pelo clube são confrontados com a obrigação e a responsabilidade de estar à altura dessa exigência e também ganharem, nem que seja pelo menos uma vez, uma competição que faz parte do ADN do clube. Quando ganhámos em 1998, a festa foi incrível. Parecia que Madrid inteira tinha saído à rua! Já eu fiquei eufórico por segurar um troféu que até então só tinha visto na televisão. Foi uma das melhores sensações da minha vida.
Finais com grau de dificuldade distinto
Em 1998 a tensão era evidente e por vários motivos. Por ser uma final, por a nossa equipa ter muitos jogadores novos, e também por irmos defrontar a Juventus, que era considerada favorita e tinha disputado as três finais anteriores, ganhando uma. Confesso que tive dificuldades em dormir, mas no fim de contas estivemos à altura do prestígio do clube e colocámos um ponto final num jejum que durava há muito tempo. Foi a partir daí que o Real Madrid se restabeleceu como colosso na prova.
Depois, em 2000, no duelo espanhol, defrontámos uma equipa do Valência que conhecíamos bem. Eles fizeram algumas alterações tácticas, mas a nossa equipa era muito forte, com muitos bons jogadores, e isso fez com que tornássemos as coisas fáceis para nós. Era uma equipa incrível. Por fim, em 2002, aquele que em teoria seria o adversário mais acessível acabou por ser no mais complicado. O [Bayer] Leverkusen dificultou-nos muito a vida, no ataque e na defesa, e obrigou-nos a dar o nosso melhor.
Influente em golos
No golo de 1998 eu não queria fazer um passe, mas sim rematar. Queria a glória para mim! Na final de 2002 foram minhas as assistências para os dois golos. No primeiro fiz uso dos truques e manhas que se vão aprendendo ao longo da carreira: aproveitei o relvado molhado para fazer a bola ressaltar num lançamento lateral e ganhar velocidade, que depois perdeu perto da área, onde a relva estava menos húmida. O Raúl [González] sabia disso, o guarda-redes precipitou-se e ele marcou com um remate rasteiro.
O segundo golo, marcado pelo [Zinédine] Zidane, teve uma coisa engraçada. O lance começou com um passe horrível do [Santiago] Solari, seguiu-se um cruzamento meu razoável e terminou com um belo golo do Zizou. Um golo que é um dos melhores na história da competição e do futebol. Devido à rapidez com que tive de pensar e executar, confesso que nem vi que era o Zidane se aproximava da área, apenas sabia que estava lá um jogador vestido de branco. Por isso limitei-me a tentar colocar a bola com conta, peso e medida. Felizmente, esse jogador de branco que vi era um dos melhores do Mundo e fez um golo notável.
Os icónicos Raúl González e Iker Casillas
O Raúl era incrivelmente perigoso. Dentro da área sabia exactamente o que fazer. Por vezes, até parecia que era a bola que o procurava. E mesmo quando rematava mal, a bola acabava por entrar! Só por isso dava para perceber a sua qualidade. Além disso, era um líder nato e um elemento inspirador. Quando estávamos em dificuldades, pensávamos: "O Raúl vai resolver". E resolvia.
Com o Iker Casillas tenho uma ligação especial. Ele era um miúdo quando chegou à equipa principal e conseguiu impor-se. Foi alvo de algumas críticas devido à sua estatura, mas a sua qualidade falou mais alto. Na minha opinião, na final de 2002 foi o melhor em campo, após ter entrado a meio do jogo. Fez defesas decisivas nos instantes finais. Eu e outros jogadores éramos muito protectores dele e brincávamos com ele, também o moralizando quando não era escolhido para jogar.
Mas ele também se revelou uma pessoa divertida. Quando chegou à selecção principal, eu mostrei-lhe uma foto minha com o troféu do Campeonato do Mundo e perguntei: "Sabes quanto pesa este troféu?” E ele respondeu: “Um dia vou saber quanto”. Em 2010, após a Espanha se sagrar campeã mundial, ligou-me desde o balneário e disse que já sabia. É um excelente guarda-redes e uma excelente pessoa.
Uma competição que transforma
A primeira coisa que impressiona na Champions League é o hino. Dá logo um toque único à competição. O entusiasmo que se sente em semana europeia é incrível. Tudo muda, desde a bola até ao estado de espírito. As refeições são diferentes, as conversas são diferentes, todo o ambiente em redor do jogo é diferente. Só queremos que o tempo passe rápido e o jogo comece.
Uma equipa, um legado
Sinto-me muito agradecido por ter feito parte de um grupo que ganhou três títulos da UEFA Champions League em cinco épocas. Deixámos uma marca no clube e os adeptos voltaram a sentir-se orgulhosos. Especialmente aqueles que em 1998 eram muito novos e nunca tinham visto o clube ganhar o troféu.
Ainda hoje há pessoas que nos agradecem por isso. Adeptos na casa dos 40 e 50 anos, que dizem "Graças a vocês eu e o meu pai conseguimos ir até ao museu e tocar num troféu que desejávamos há muito tempo”. Isso toca-me bastante e é algo que nunca vou esquecer.