Lyon aposta no efeito surpresa
quinta-feira, 15 de abril de 2010
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O Lyon surpreendeu muitos com a sua caminhada até às meias-finais, mas o médio Jérémy Toulalan espera seguir o exemplo do FC Porto em 2003/04 e chegar ao título contra todas as expectativas.
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Onze anos depois de se estrear na prova, o Olympique Lyonnais conseguiu finalmente ultrapassar os quartos-de-final e atingir as meias-finais da UEFA Champions League, após deixar pelo caminho o FC Girondins de Bordeaux. Ainda assim, ficou no ar uma sensação estranha na altura dos festejos, após o apuramento no Stade Chaban-Delmas, e não só pelo triunfo por 3-2 no conjunto dos dois jogos ter sido alcançado sobre outra formação francesa. A verdade é que o feito inédito do Lyon acabou por surgir, talvez, quando menos se esperava.
Campeão de França em sete temporadas consecutivas, parecia evidente que o êxito europeu haveria de chegar a determinada altura durante esse período de total domínio interno. E, por seis temporadas seguidas, a equipa ultrapassou a fase de grupos da UEFA Champions League, mas acabou sempre por ficar pelo caminho nas rondas seguintes.
Em 2004/05, com um plantel onde pontificavam nomes como Michael Essien, Juninho Pernambucano, Mahamadou Diarra e Florent Malouda, o Lyon terminou atrás do Manchester United FC no respectivo grupo antes de esmagar o Werder Bremen com dez golos nos oitavos-de-final. Contudo, apesar das boas exibições realizadas, a formação então treinada por Paul Le Guen acabou afastada pelo PSV Eindhoven na ronda subsequente.
Na temporada seguinte, Gérard Houllier assumiu o comando técnico da equipa e parecia ter encontrado o equilíbrio perfeito entre o ataque e a defesa. Conseguiu a desforra da derrota da época anterior diante do PSV com um triunfo por 5-0 no conjunto das duas mãos sobre a formação holandesa nos oitavos-de-final e esteve a dois minutos de eliminar o AC Milan nos quartos-de-final, até surgir em cena Filippo Inzaghi. A esta terceira eliminação sucessiva nos quartos-de-final seguiram-se três nos "oitavos", diante de AS Roma, Manchester United e FC Barcelona.
As hipóteses de o Lyon chegar à glória na Europa pareciam ter-se dissipado. O Bordéus confirmou o fim da era de domínio do Lyon ao sagrar-se campeão francês na temporada passada e, quando Juninho e Karim Benzema juntaram o seu nome à lista de ilustres jogadores que deixaram o Stade de Gerland, os adeptos estavam preparados para mais uma época de transição. Por alturas do Natal, o declínio do clube parecia evidente. Derrotas diante de LOSC Lille Métropole, Bordéus e Montpellier Hérault SC durante o mês de Dezembro deixaram a formação agora orientada por Claude Puel no sexto lugar da Ligue 1 e o técnico com o seu lugar em risco.
Na Europa, contudo, as actuações da equipa foram encorajadoras. Lisandro, a contratação mais cara da história do clube, marcou quatro golos ao RSC Anderlecht, antes de o jovem Miralem Pjanić mostrar um pouco do seu potencial ao apontar o tento da vitória sobre a ACF Fiorentina. Depois veio a histórica vitória no terreno do Liverpool FC, em Outubro.
Se Puel alcançara êxitos sobre Manchester United e Milan ao leme do Lille, esta foi a primeira ocasião que conseguiu bater um gigante europeu à frente do Lyon. E a forma como foi alcançada a vitória em Anfield sublinha as qualidades da equipa. Com o capitão Cris atordoado após um golpe na cabeça, Yossi Benayoun marcou para o Liverpool. Puel tinha sido já obrigado a utilizar Jérémy Toulalan no centro da defesa, como solução de recurso.
E no arranque da segunda parte teve de colocar em campo o inexperiente médio Maxime Gonalons para substituir Cris e jogar pela primeira vez na sua carreira como defesa. Mas, perante as adversidades, os pupilos de Puel deram tudo o que tinham. Mostraram um espírito e uma determinação notáveis e viraram o encontro: Gonalons empatou a partida, antes de César Delgado apontar o golo da vitória.
As opções tácticas de Puel revelaram-se quase sempre justificadas e aquela que foi, talvez, a sua decisão mais importante da temporada passou por levar a equipa para um estágio fora do país durante a paragem de Inverno. Vários jogadores descreveram a viagem de Janeiro até à Tunísia como o ponto de viragem da época. Longe dos críticos e com Puel a transmitir alguma tranquilidade aos jogadores, estes tiveram oportunidade de criar laços mais profundos entre si. E o espírito que pautava o "velho" Lyon voltou.
Em 2010 o Lyon perdeu apenas um dos 13 encontros que disputou na Liga francesa e afastou Real Madrid CF e Bordéus na Europa. Tais resultados, ainda assim, não impediram que algumas vozes deixassem a entender que a equipa tinha tido alguma felicidade em chegar até às meias-finais. O próprio director-desportivo do clube, Bernard Lacombe, admitiu que o actual plantel tem "menos qualidade" que outros que compuseram a equipa no passado, depois de a equipa ter garantido o apuramento sem ter efectuado um único remate à baliza contrária no encontro da segunda mão, em Bordéus.
Laurent Blanc sentiu que o Lyon levou a melhor graças à sua maior vivência de grandes noites europeias. "Experiência é algo que não se compra no supermercado", salientou o técnico do Bordéus. E claro que tem razão. Jogadores como Cris, Anthony Réveillère, Jérémy Toulalan e Kim Källström aprenderam muito com as desilusões que sofreram no passado.
Mas reduzir o êxito do Lyon à experiência, espírito da equipa e arte do treinador é injusto. Há, também, muito talento. Cris e Toulalan são dois lutadores incansáveis, Hugo Lloris tem realizado uma temporada sensacional e o também espectacular e não menos incansável Lisandro afirmou-se como um verdadeiro líder, capaz de decidir os jogos mais complicados.
Ninguém apostava que o Lyon pudesse afastar o Real Madrid, poucos acreditavam que pudesse deixar pelo caminho o Bordéus e certamente que o FC Bayern München partirá como favorito para o embate das meias-finais. Mas isso não preocupa em nada o Lyon. "Por vezes uma equipa consegue ir até ao fim e conquistar o título quando ninguém está à espera", lembrou Toulalan. "O FC Porto fê-lo uma vez, talvez nós o possamos fazer também".