À conquista do Novo Mundo
sexta-feira, 12 de janeiro de 2007
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Poderá o lucrativo acordo de cinco anos de David Beckham com os Los Angeles Galaxy marcar o renascimento do futebol nos Estados Unidos?
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David Beckham mantém habitualmente o "low profile", mas os eventos desta semana são extraordinários, mesmo pelos padrões que se aplicam ao actual jogador do Real Madrid CF. Apesar da especulação de que deixaria o clube "merengue" para, possivelmente, viajar até aos Estados Unidos, poucos esperariam o súbito anúncio, na quinta-feira, de que o antigo capitão da selecção de Inglaterra assinou um contrato de cinco anos com os Los Angeles Galaxy, que já conta nas suas fileiras com o dianteiro da selecção americana, Landon Donovan.
Estatuto de estrela
Se se confirmar os rendimentos anuais a rondar os 40 milhões de euros, esta verba será a maior paga anualmente a um desportista. Tratar-se-á, certamente, de uma verba astronómica para uma liga cujo pacote de transmissões televisivas se cifra nos 15 milhões de euros e onde o salário mais elevado é de 200 mil euros. Contudo, a transferência é testemunho, não apenas da própria celebridade de Beckham, sem dúvida única mesmo no estratificado mundo do futebol moderno, mas também reflecte a ambição dos donos de clubes da Major League Soccer (MLS) em tentar elevar o futebol ao mesmo estatuto de que já desfrutam o basebol ou o futebol americano.
Falsa partida
Quando Beckham foi seleccionado, no início dos anos 90, pelo Manchester United FC, não lhe terá ocorrido que a sua carreira o levaria até Los Angeles. A MLS foi criada no final de 1993, como condição para a atribuição aos EUA do Mundial de 1994, mas a primeira temporada só teve início em 1996 e o ênfase foi dado na promoção de jovens futebolistas americanos a actuarem com salários modestos, não reavivando a antiga North American Soccer League (NASL) da década de 70 e início dos anos 80, onde estrelas como Pelé, Franz Beckenbauer, Johan Cruyff, George Best ou Eusébio chegaram com elevados salários a uma prova cujo sucesso desportivo ficou muito aquém das expectativas.
Mudança nas regras
Ao invés, a MLS operou com um tecto salarial bem apertado e, apesar de jogadores como Roberto Donadoni ou Youri Djorkaeff terem actuado na liga professional norte-americana, já tinham ambos mais de 35 anos. Actualmente, o jogador com maior estatuto em competição nos EUA é outro ex-futebolista do Real Madrid, Aitor Karanka, mas o defesa-central basco de 33 anos não tem, nem de longe, o reconhecimento mundial de que Beckham desfruta. A sua chegada a Los Angeles foi tornada possível pela entrada em vigor da nova "designated player rule" (ou regra do jogador designado), que permite às “franchises” da MLS contratar um jogador acima do tecto salarial. Entretanto, já passou a ser denominada por "regra Beckham" (e não somente pelas suas ligações comerciais com o Anschutz Entertainment Group, que é dono dos LA Galaxy, por seu turno, uma pequena parte do seu conglomerado de entretenimento de Hollywood. O director-geral do clube, o antigo defesa-central da selecção americana, Alexi Lalas, famoso pelas suas longas cabeleira e barba, confirmou o negócio à BBC: "Contratar jogadores com o prestígio de Beckham é um passo na direcção certa, não apenas para os Galaxy, como para todo o futebol na América".
Ídolo Americano
O facto de os Galaxy estarem preparados para pagar tanto pelos seus serviços diz bem da forma como Beckham se conseguiu tornar em mais do que um simples futebolista, e, até, na "última fronteira" do desenvolvimento do futebol, os EUA, onde o seu estatuto entre os que não são adeptos do futebol foi reforçado após o sucesso mundial do filme "Bend It Like Beckham", para já não falarmos na sua glamorosa esposa, Victoria. O comissário-adjunto da MLS, Ivan Gazidis, disse a esse respeito: "Nos EUA, ele é, de longe, o futebolista mais conhecido, não apenas pelo que faz nos relvados, mas também por tudo o que o envolve fora dos relvados: ele é bem parecido, casado com uma estrela do mundo da música e está sempre na moda". Essa fama internacional também poderá tornar os jogos dos LA Galaxy mais interessantes para quem os pretenda assistir em outros pontos do Mundo, através da televisão. Quando Beckham ingressou no Real Madrid, os direitos britânicos e asiáticos de transmissão dos jogos da Primera División tornaram-se, de repente, bastante lucrativos.
"Novo desafio"
O próprio Beckham sabe que é como que “uma lança em África”, literalmente um “poster boy” para a divulgação do futebol na América. "O futebol é o desporto mais praticado na América até uma certa idade. É aí que eu quero levá-lo a um outro nível", comentou o ainda médio do Real Madrid. O conceituado redactor da revista Sports Illustrated, Grant Wrahl, sugeriu no SI.com: "A chegada de Beckham dá à MLS uma credibilidade que nunca teve junto dos adeptos americanos, que exigem ver as maiores estrelas à escala planetária no desporto pelo qual mais se interessam. Beckham é uma grande combinação com Los Angeles, onde os jogos dos Galaxy se tornarão em eventos da maior importância, com as celebridades que habitualmente associamos aos jogos dos Los Angeles Lakers na NBA". Wrahl acrescentou ao uefa.com: "Não estou a ver qualquer outro evento em que o início da época seja tão aguardado".
Mais no horizonte?
Isto vem levantar uma questão com implicações para o futebol europeu. Caso a transferência de Beckham se venha a provar um sucesso, outras estrelas de topo se seguirão, pois os rivais dos LA Galaxy não quererão ficar atrás. Djorkaeff deixou escapar no ano passado que Ronaldo seguia atentamente os jogos da antiga equipa do francês, os New York Red Bulls, apesar do aviso deixado por Gazidis: “Já estamos a prever muitas chamadas de jogadores interessados, mas temos de usar o nosso dinheiro com parcimónia e analisar o valor estratégico que um futebolista trará à nossa liga”. A MLS não será uma UEFA Champions League alternativa, mas se alguém como Beckham, ainda a suscitar a cobiça dos clubes mais importantes da Europa, está preparado para mostrar o seu talento fora do seu continente, então o franchise de New England poderá muito bem deixar de ser a única Revolution na MLS.
Este artigo faz parte da Magazine do uefa.com. Clique aqui para ler a Magazine desta semana.